Dois Lados

 

                Por um bom tempo eu venho observando esse planeta. O “Terra”, com seus 7 bilhões de habitantes, cada um com uma história, e cada um com suas peculiaridades. Porém, alguns chamam mais atenção. Uma história que me surpreendeu, e que sempre gosto de lembrar, é a do jovem Benjamin. Aquele garoto que acabou se tornando o... Bem, acho melhor eu te contar desde o começo, não é?

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       Naquele dia, o sol estava muito forte, e Benjamin olhava pela janela de sua sala de aula enquanto o calor criava ondas no ar e distorcia a paisagem. Ele era novo, quase 18 anos, e havia acabado de entrar na faculdade. Mas não se destacava por nenhuma razão em particular, não era alto, mas também não era baixo. Não era um bom atleta, e nem o melhor jogador do vídeo game, mas também não era ruim. Nunca fizera sucesso com as garotas, mas elas também não o ignoravam completamente.

                Na época, se eu pudesse, não o teria escolhido para seu destino. Mas, uma coisa que O Terra me mostrou, foi que nós não controlamos tudo. A vida toma vários caminhos curiosos..., mas voltando ao que importa:

                Os últimos dias do semestre deixavam todos empolgados com as férias, todos menos as aulas, que se arrastavam como lesmas, o relógio parecia se afastar cada vez mais da marca de 12 horas, a hora que a última aula do semestre acabava. Até mesmo eu, que apenas observava, sentia o tédio misturado com empolgação no prédio. Quando finalmente o professor entregou as últimas provas, liberandos os alunos, todos saíram em uma manada enquanto planejavam passeios, viagens e saídas desejando boas férias uns para os outros.

                Benjamin não era exceção, ele se despediu dos novos amigos, e combinou diversos planos impossíveis. Como ele não possuía o carro, se dirigiu ao ponto dos ônibus, e se sentou no banco junto à algumas outras pessoas menos interessantes.

                Sua cidade não era muito segura, e Benjamin sempre ficava atento, como se todos pudessem fazer algo contra ele. Você não ficaria, se já tivesse sido assaltado outras 3 vezes? Então. E para confirmar suas suspeitas, três garotos, mais novos do que ele, chegaram correndo e cercaram as pessoas no ponto do ônibus. Benjamin segurou forte sua mochila, mas os garotos não deram atenção a ele, eles focaram nas duas senhoras que estavam lá, agarrando suas bolsas e tomando seus celulares. Porém, uma das senhoras não largou sua bolsa, desafiando um dos assaltantes. Benjamin observou, enquanto o tempo desacelerava – e isso, eu sei porque ele me contou – o garoto puxou uma faca de sua cintura e avançou pronto para atacar a vítima. Mas então, a história de Benjamin mudou, e ele se tornou interessante. Ele se lançou contra o garoto, mais rápido do que o assaltante, aparou a mão que trazia a faca e, com a palma da mão livre empurrou a cabeça do garoto contra a parede do ponto do ônibus. O garoto caiu desmaiado.

                Surpresos, os outros dois garotos atacaram Benjamin. Mas eles eram muito lentos, Benjamin esquivou de duas facadas, e então agarrou um dos garotos pelas suas roupas, e o lançou contra uma árvore na calçada, nocauteando este também. O terceiro garoto, provavelmente o mais esperto deles, percebeu que não ganharia a luta e fugiu, deixando os espólios do assalto no chão.

                A adrenalina de Benjamin abaixou, e ele sentiu como se tivesse subido todos os 17 andares do seu prédio pelas escadas. As senhoras e as pessoas no ponto estavam surpresas     –eu diria que elas estavam mais assustadas do que surpresas –. Não é todo dia que um garoto comum para um assalto com golpes de luta tão precisos. O que elas não sabiam, é que o “herói” deles não conhecia nenhuma luta marcial fora do que já havia visto na tv. Nem mesmo era atlético, ou corajoso o suficiente para repetir o ato.

                Ele, no entanto, sabia disso. Sua reação foi o oposto do que se esperava de um verdadeiro herói, ele pegou seus pertences do chão e saiu correndo escondendo o rosto de qualquer um que olhasse para ele. Ok, talvez não a melhor reação, mas ele estava mais surpreso do que qualquer outra pessoa, e tinha medo de algum dos assaltantes reconhecê-lo depois.

                Benjamin correu, cortando ruas e praças sem rumo, até ficar quase perdido. Ele parou em um beco antigo e entulhado de lixo se recostando contra um muro enquanto recuperava o fôlego. Seu corpo inteiro queimava, como se ele tivesse entrado em um banho muito quente, enquanto ele se arqueava sobre as pernas. Mas o que mais doía era seu estômago. Ele estava faminto, mesmo tendo comido há pouco tempo.

                Alguns minutos se passaram enquanto ele se recompunha. Quando ele estava se acalmando, seu telefone tocou. O nome na tela dizia “Fabrício Vela”, um de seus amigos da Faculdade. Ele o atendeu e os dois conversaram um pouco, a conversa o deixou tenso novamente. Então ele pegou suas coisas e saiu do beco. Pelo que pude entender, várias pessoas, inclusive o Fabrício, haviam presenciado a tentativa de assalto. As senhoras até o chamavam de “anjo” agora.

                Saindo do beco ele se localizou, comprou um pedaço de bolo e um refrigerante de um ambulante e se dirigiu para a estação de metrô mais próxima.

                No metrô, um grupo de jovens que se sentava perto dele, assistiam à um vídeo amador de um lutador que impedira um assalto naquela manhã. Ele se esticou e espiou a gravação de um rapaz arremessando outro, pouca coisa maior do que o primeiro, a três metros de distância. Era o vídeo dele. Ele automaticamente abaixou seu rosto e se encolheu o máximo que pôde, decidira ir a pé para casa, então esperou a próxima estação para descer.

                O bolo não havia sido suficiente. Então na estação seguinte ele desceu, comprou um cachorro quente, e seguiu para seu apartamento.

                Seu corpo doía menos, e seu estômago estava mais calmo. Mas sua cabeça estava a mil quilômetros por hora. Todos os pedestres e motoristas que passavam por ele, pareciam o encarar, fazendo sua fobia transbordar.

                Quando ele finalmente chegou em casa, suas pernas pareciam estar sendo esfaqueadas repetidamente, seu corpo todo estava empapado de suor. Ele sentia que precisava comer, e que precisava de um banho. Mas estava tão cansado que apenas se deitou – Um erro, devo dizer – e dormiu de exaustão.

 

 

 

 

                Ele acordou com sua mãe o chamando. Seu cérebro registrou o chamado, mas seu corpo não reagiu, ele estava tão esgotado como se ele tivesse acabado de vir correndo do Alasca, cada fibra do seu ser ardia insuportavelmente.

                Com muito esforço ele conseguiu abrir os olhos e pegar seu celular, ele tinha 17 ligações perdidas e 42 mensagens não lidas. A confusão do sono e do cansaço fez ele demorar para se lembrar do que tinha acontecido. Mas ele se lembrou, ele havia impedido um assalto, como, ele não sabia. O que ele sabia era que precisava de energia, de comida. Por sorte, o relógio do celular dizia 12:30h, a hora em que sua mãe chegava em casa do emprego para almoçar.

                A luta para se levantar, tomar um banho gelado e se vestir tinha sido inúmeras vezes mais árdua do que a contra os assaltantes. Sua mãe já estava sentada à mesa quando ele chegou na cozinha.

                — Boa tarde, gatinho. — Disse ela com um sorriso.

                — Boa tarde, mãe. Brigado por me acordar.

                — Empolgado com as férias? — Perguntou ela

                Ele encarava seu celular, com todas as notificações na tela, agora com mais duas ligações perdidas e mais algumas mensagens não lidas.

                — Filho, tudo bem? — Tornou a perguntar sua mãe. — Você não costuma dormir até tarde assim.

                Mas ele não a escutou, estava em um transe de pensamentos.

                — Benjamin, sem celular na mesa, e preste atenção em mim! — Ralhou ela.

                Ele levantou a cabeça de um susto, a bronca de sua mãe havia o puxado de seu transe. — O que? Desculpa, eu me distraí. — Disse ele.

                — Eu vi! tudo bem? — Perguntou ela com ternura.

                — Tudo, eu só tava lembrando de uma coisa que aconteceu.

                — O assalto no ponto de ônibus? — Perguntou ela.

                Ele se engasgou com o suco que tomava. De olhos arregalados para a mãe, “ela sabe que fui eu”. — Você viu o vídeo?! — Perguntou ele desesperado.

                — Não, mas eu vi sobre isso no jornal de ontem de noite. — Disse ela.

                — O que a senhora viu? — Perguntou ele. — Espera, ontem de noite? Quanto tempo eu dormi?

                — Você não saiu do seu quarto desde ontem de noite quando cheguei, imaginei que já tivesse jantado e tava assistindo alguma coisa ou jogando vídeo game. Você tava dormindo desde aquela hora? — Perguntou ela.

                — Eu... não sei. — Disse ele pegando o celular e vendo que já era o outro dia, ele havia dormido o dia inteiro.

                Sua mãe o olhava preocupada. O cheiro da comida estava muito convidativo, e Benjamin ainda estava completamente exausto e com muita fome. E ela provavelmente percebeu, com seu “poder de mãe”, como ela costumava chamar.

                — O que acha da gente comer, e depois você me conta o que aconteceu?

                Era tudo que ele queria, atacar a comida muito apetitosa da senhora Délia, uma senhorinha baixinha e redonda, que cozinhava na casa dos vizinhos que não tinham tempo para cozinhar, nem muito dinheiro para contratar uma empregada fixa. Então ele concordou e os dois começaram a comer.

                O almoço, teria sido suficiente para o antigo Benjamin, mas para esse novo, apenas tinha tirado seu estômago da agonia, fazendo com que seus músculos doessem menos. O horário de sua mãe era apertado, então logo depois de comer, ela se arrumou e voltou para o trabalho. Deixando Benjamin com um pedido para que ele tomasse cuidado, e algumas panelas e pratos sujos.

                Ele lavou e guardou as louças e se sentou no sofá da sala. Preparado para encarar as ligações e mensagens que se acumulavam em seu celular. A maioria delas era de Fabrício, e quase todas essas perguntando onde ele estava e como ele estava. Mas algumas eram de outras pessoas, colegas da faculdade, e ele não se surpreendeu ao ver que todas diziam respeito ao acontecido na manhã anterior. Alguns outros haviam o reconhecido, inclusive uma jovem que havia filmado a tentativa de assalto. “Que bom, a única vez que uma menina repara em mim, eu faço uma coisa esquisita. ” Pensou ele.

                Ele combinou de encontrar seu amigo Fabrício, então se arrumou, pegou uma maçã na cozinha e saiu de casa. O clima estava bom, e ele já tinha comido a maçã inteira antes de chegar na estação de metrô.

                O rapaz estava sentado no banco do parque, comendo salgadinhos, quando Benjamin se aproximou ele ofereceu o pacote de salgadinhos. — Já almoçou? — Perguntou ele.

                Benjamin aceitou o pacote e se sentou do lado dele. Esperando o amigo começar a conversa.

                — Quando você aprendeu a lutar? — Indagou ele quebrando o silêncio.

                — Eu nunca aprendi. — Disse Benjamin despretensioso.

                — Então o que foi que eu vi ontem?

                — Eu não sei. Não sei porque reagi, não sei como reagi, nem porque corri.

                — Entendi. — Disse o amigo aparentemente acreditando nele. — E você não sentiu nada diferente?

                Então ele contou ao amigo tudo que tinha sentido. Os assaltantes desacelerando, os reflexos rápidos, os movimentos como se tivessem sido praticados inúmeras vezes, o medo de ser pego e por último a fome, a interminável fome. Tudo isso enquanto terminava o saco de salgadinhos.

                O outro escutou os relatos atentamente. E quando ele terminou, refletiu por um tempo, então falou: — Acho que já ouvi histórias sobre mães que levantam carros para salvar os filhos. Talvez seja isso. E agora seu corpo querendo recuperar a energia que você gastou, ?

                — É, acho que sim. — Concordou Benjamin reparando o corpo se recuperando conforme comia mais.

                Os dias passavam conforme Benjamin havia planejado secretamente para suas férias. Ele passava boa parte da manhã em seu quarto lendo gibis e outros livros, almoçava com sua mãe, passava a tarde jogando vídeo games e quando ela voltava após o expediente eles assistiam séries e filmes juntos até a hora de dormirem. Mas durante a primeira semana, o pensamento que mais passava por sua cabeça, e mais o assustava, era: “eu quero ser forte de novo”. Ele sentia falta do “poder” que o havia tomado no dia do incidente.

                Então, na segunda semana, ele mudou sua rotina, havia decidido que iria começar a praticar artes marciais. Ele passou a frequentar uma academia perto de sua casa onde ele fazia aulas de MMA todos os dias. Sempre às manhãs, e em segredo de sua mãe, que não concordava com “esportes agressivos”. Sua esperança era de se descobrir como um lutador nato, com talento superior ao de todos os outros. Porém, com as aulas, ele descobriu que continuava ordinário, como sempre fora, nem mesmo o surto de fome extrema havia ocorrido novamente. Mas por ter tomado gosto pelo esporte, ele decidiu que continuaria, mesmo que isso não “revelasse seu potencial”.

                Era a última semana antes do recesso de Natal. Benjamin se sentia bem com os treinos, para sua surpresa, ele não era tão ruim quanto imaginava que seria. Apesar do corpo não muito musculoso ele treinava no mesmo nível que os outros alunos mais experientes. E nesse dia, ele tinha lutado sem as proteções de cabeça pela primeira vez, e havia se saído bem, dissera seu mestre.

                No caminho de volta para casa, a rua estava cheia como sempre, mas o medo de ser reconhecido pelo vídeo havia passado. Até mesmo o próprio vídeo havia aberto espaço para outras filmagens amadoras de outros acontecimentos igualmente bizarros, só que mais recentes.

                Naquele dia, para a surpresa de todos, até mesmo dele, Benjamin marcara um encontro com uma colega, a autora do vídeo do assalto. Os dois iam ao cinema. Então, obviamente, toda sua rotina fora diferente por causa do nervosismo. Quando sua mãe chegou em casa ela o ajudou a escolher uma boa roupa e o aprumou para seu primeiro encontro. Ela estava tão nervosa quanto ele.

                A garota, Samantha Andrais, era um ano mais velha que ele, e tinha um carro. Então ela iria buscá-lo e eles iriam juntos ao shopping.

                Enquanto ele esperava por ela de dentro da portaria, uma chuva muito forte caía. E o portão de seu prédio, que era antigo, tinha alguns fios expostos e em contato com o metal do portão. Quando a garota chegou, Benjamin se apressou para sair e agarrou o portão eletrificado. Uma corrente elétrica muito intensa percorreu todo seu corpo, fazendo com que todos os seus pelos se arrepiassem, mas, para sua surpresa, não doeu, na verdade foi o contrário. Ele sentiu o “poder” invadir todo seu corpo, uma carga extremamente alta de energia, maior do que ele sentira da última vez. Ele soltou o portão e observou sua mão aparentemente intacta após receber a descarga. A garota o observava de dentro do carro, sem perceber o que acabara de acontecer.

                Benjamin se sentia mais forte do que nunca, como se pudesse lutar contra todos seus colegas de treino e vencer. Estava com mais energia do que jamais tivera. E nada escapava de seus instintos. Ele via todas as luzes, todas as pessoas, todos os animais ao seu redor. Escutava todos os sons, desde o carro de Samantha até o som de eletrodomésticos dos moradores do prédio. Era como se o mundo estivesse girando com metade da velocidade, ele podia até mesmo sentir as energias sendo transmitidas e transferidas pelos fios, geradores e carros na rua.

                Um rugido cortou o ar. Uma buzina. Sua atenção se voltou para a origem do som. A garota o encarava de dentro do carro com uma expressão confusa, esperando por ele.

                — Tudo bem? — Perguntou ela.

                — Tudo... Tudo bem. — Respondeu ele.

                — Vamos? — Convidou ela enquanto ele entrava no carro com expressão de satisfação.

                Eles se dirigiam para seu destino, se afastando um do outro cada vez mais com o caminho. Ele estava em estase, cada carro, letreiro e até mesmo os fios dos postes, eram distrações. Todas as coisas estavam em movimento, em constante mudança e em fluxo. Ele sentia a potência de cada fonte de energia, e sentia como se aquilo pudesse alimentá-lo para sempre. Já tinha se acostumado com a nova velocidade do mundo, as coisas não pareciam lentas mais, agora era ele que estava rápido, ele havia tomado controle dos seus instintos.

                Porém, a garota não sentia essa animação. Só o que ela via era um garoto que ela não conhecia no seu banco de passageiros. E um garoto que não tirou os olhos da janela do carro em nenhum momento. E havia ignorado, ou respondido com descaso, todas suas tentativas de iniciar uma conversa entre os dois.

                Quando passavam por um viaduto antigo e que servia de moradia para “sem tetos” avistaram um grupo de adolescentes que se aproximava de onde os moradores de rua dormiam, e nenhum deles parecendo que estava lá para ajudar.

                — Ai meu Deus! Benjamin, olha! — Ela chamou a atenção dele para os garotos.

                — Eu vi. — Respondeu ele. — Pare o carro.

                — O que você acha que vai fazer contra tantos? Você conseguiu impedir um assalto e agora acha que é super-herói? — Questionou ela.

                Ele a ignorou e puxou o freio de mão do carro. Ele sabia seu potencial atual, sabia que era invencível naquele momento. E então desceu do carro.

                — Ei, o que vocês querem aqui? — Perguntou ele se dirigindo aos garotos.

                — Não é da sua conta veado. Sai fora antes que a gente te pegue também. — Respondeu o maior deles, um rapaz gordo e do rosto cheio de espinhas.

                — Vocês querem fazer o mal, é da minha conta, sim. — Desafiou Benjamin, que depois, me confessou, que não havia sido uma escolha de palavras tão intimidadora quanto ele tinha imaginado.

                Cê tá louco, moleque? — Respondeu um outro integrante do grupo, que usava roupas pretas e tinha a atitude de líder. Ao mesmo tempo que os outros 4 rapazes iam em direção a Benjamin.

                Seu corpo se retesou, ele cerrou os punhos, estava pronto para o combate. Suas aulas de MMA voltavam à sua cabeça enquanto ele se esforçava para concentrar sua recente energia. O garoto com as roupas pretas avançou sobre ele.

                A garota filmava tudo de seu carro. Mas mesmo ela, não compreendeu o que houve.

No momento em que o garoto de preto o alcançou, Benjamin desferiu um poderoso soco com sua mão direita. Infelizmente, poderoso demais. O choque de sua mão contra o rosto do garoto liberou toda a energia que ele continha, gerando uma explosão que arremessou os dois para longe, juntos com tudo que estava no viaduto.

                Os vidros do carro da garota se estilhaçaram, os outros integrantes da gangue foram arremessados contra as paredes. E até mesmo os moradores de rua com seus papelões e cobertas sentiram a onda de choque. Nesse momento, Benjamin não se sentia tão invencível quanto antes. A única coisa que ele teve tempo de pensar antes de desmaiar foi que seu corpo tinha sido espatifado. Então sua visão escureceu e ele desmaiou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

            O garoto acordou em uma maca de hospital, sua cabeça explodia com as luzes. Alguns segundos se passaram até ele conseguir se situar. Então uma enfermeira entrou no quarto. Ela viu que ele havia acordado e se dirigiu até sua maca.

                — Como você está? — Perguntou ela.

                — Onde eu to? Perguntou ele.

                — Você está em um hospital. Você se envolveu em um acidente. Consegue se lembrar de alguma coisa? — Disse ela.

                — O que? — Sua cabeça estava como um caderno novo, completamente em branco. — Quem sou eu? — Perguntou ele após perceber que não lembrava nem mesmo seu nome.

                A enfermeira conduzia uma bateria de testes nele enquanto conversavam. Quando ela acabou ela disse “você está bem, aparentemente, e nós estamos sem leitos. Vou te passar uns remédios para dor e você pode ir. ”

                — Ir pra onde? Eu nem sei quem eu sou! — Disse ele se irritando com o descaso da enfermeira e do hospital em si.

                — Seus amigos estão lá embaixo. Eles te trouxeram. Eu vou chamá-los. — Disse ela saindo do quarto.

                Alguns minutos depois um grupo bem diferente de garotos entrou no quarto. Eles entraram em duas duplas. Os dois menores antes, que pareciam irmãos. E foram logo seguidos pelos maiores, um deles mal passou pela porta de tão redondo que era.

                — Caos? Lembra da gente? — Perguntou um dos pequenos irmãos.

                Sua expressão de confusão respondia à pergunta.

                — Quem são vocês?

                — Nós somos seus amigos, cara. Sua família. Eu sou o Rafa, lembra de mim? — Disse um garoto comprido e magro com cabelos nos ombros.

                — Não, eu não sei nem quem eu sou. Esse tal de Caos, sou eu? — Perguntou ele.

                — Seu nome de verdade é Carlos, mas você não gosta do nome, então usa Caos. —Cochichou o outro dos garotos pequenos. — Eu sou o Jefferson, e esse é meu irmão Jonnathan. — Disse ele apontando o outro garoto que era, de fato, seu irmão.

                — É, mas você pode chamar a gente de John, e Jeff. — Disse o outro.

                — E você? — Perguntou ele para o maior do grupo, que tinha alguns machucados no rosto.

                — Eu sou.… o Bomba. — Disse ele com vergonha.

                — Entendi. O que aconteceu comigo? — Perguntou Carlos.

                — Um moleque esquisito atacou a gente com uma bomba. — Disse John ou Jeff olhando para Bomba.

                Ele se lembrou da explosão na mesma hora, e junto dela uma explosão ainda mais forte agora acontecia em sua mente. Como se ele estivesse em um estádio lotado e todos gritassem em seu ouvido.

                Ele gritou com a dor que a multidão causou. Tampando os ouvidos com as mãos ele gritou para que todos parassem de conversar. Então como se ele os comandasse, nenhum som foi emitido.

                Ele olhou para frente e viu que os 4 garotos o encaravam intrigados.

                — Você tá bem? — Perguntou um dos dois irmãos. “Você podia ter morrido. ”

                — Que? — Perguntou ele confuso.

                — A enfermeira te liberou? — Perguntou o garoto, Rafa.

                — Sim. Ela disse que eu to bem. — Respondeu ele.

                “Não parece. ” Disse um dos irmãos.

                — Mas eu estou, tão bem quanto antes. — Disse ele olhando para o garoto.

                — Eu não falei nada. — Se esquivou ele. “Ele tá louco. ”

                Eu to o que, mano?! — Perguntou Caos se levantando de sua maca e encarando o garoto.

                — Nada, eu não falei nada!

                — Que bom. Bomba matou ele?

                — Eu... não... eu também me machuquei na explosão. — Disse Bomba.

                Caos sentia o medo no garoto imenso.

                — Não perguntei se você tinha matado ele. Eu perguntei se a bomba matou o moleque que tentou me explodir.

                — Ah... desculpa. Não... não sei. Ninguém achou o corpo dele. A gente acha que ele virou picadinho. — Disse ele sorrindo.

                — Não me interessa o que você acha, bomba de merda. — Disse ele, se lembrando da origem do apelido do garoto. Ou parecia ter lembrado. Mas lembrara apenas o apelido completo. O garoto se encolheu ao ouvir seu apelido.

                — Pelo menos ele lembrou de alguma coisa. — Disseram os dois irmãos entre risos.

                Ele havia encontrado suas roupas. Calças pretas, botas pretas, camiseta preta, um casaco preto e um gorro também da mesma cor de todas as outras peças. Ele se vestiu e olhou para os garotos, se perguntando o que devia fazer agora. Então sua barriga roncou e ele soube.

                Por sorte, o garoto Bomba conhecia um bom lugar para se comer um sanduíche perto do hospital para onde Cerlos fora levado. Pouco tempo depois eles estavam sentados na lanchonete, saboreando seus respectivos pedidos.

                Carlos escutara vários monólogos de cada um dos garotos no caminho até lá. Deles, e de outros que passavam por eles. As vozes estavam o deixando doido. Verdades veladas, segredos, mentiras, atrocidades, confissões e revelações. Mas nenhuma, e eu digo nenhuma porque eu estava lá, fora dita em voz alta. Ainda assim, nenhuma escapou a ele.

                Ao passo que terminaram de comer, ele se sentia mais tonto do que quando acordara. As vozes de todos o entulhavam de notícias. Da garçonete que ficara com medo, chamando-os de bandidos quando entraram no estabelecimento. Ao senhor de cadeira de rodas que pedia dinheiro na esquina, fingindo ser aleijado, enquanto sua mente torcida pelas drogas pensava apenas na próxima vez em que usaria entorpecentes.

                Ele suava frio, e sabia que todos olhavam para ele esperando por algo. Ele escutava os garotos pedindo por alguma ação por parte dele. Então ele se decidiu, usaria isso a seu favor. Sondando seus amigos, ele compreendeu qual seria seu próximo passo caso ele ainda tivesse sua memória.

                — Vamos, eu to cansado. A gente tem que descobrir quem era aquele cara, eu quero pegar ele. — Disse, finalmente.

                — Isso aí! — Disseram os irmãos ao mesmo tempo.

                Carlos percebera que desde que se levantara da cama, se impondo sobre os colegas, mesmo o que havia mostrado mais resistência antes, agora era completamente leal a ele.

                O grupo seguiu para a casa dele, cujo endereço ele havia “pescado” da memória de um dos garotos. Era um apartamento relativamente grande, mas vazio. Sem muitas mobílias ou qualquer outra coisa do tipo. Carlos percebeu que morava sozinho, e muito provavelmente, abrigava alguns dos integrantes de sua gangue nos sofás de sua sala.

                Chegando lá, ele comandou que fossem às ruas, para que descobrissem o máximo que pudessem do garoto da bomba. Então eles o fizeram. Deixando-o sozinho, com os pensamentos de mais pessoas do que saberia contar.

                Os garotos voltaram em duplas e horas depois. Primeiro os dois irmãos, e algum tempo depois, o garoto alto e magricela, e o garoto redondo.

                Eles traziam várias teorias interessantes. A maioria das quais, Caos nem precisou escutar, antes mesmo deles entrarem pela porta ele havia checado suas memórias. Seu novo dom, como ele gostava de chamar, havia se tornado algo natural, contando o pouco tempo que tivera para “treiná-lo”. Mas ainda assim, escutou as histórias que seus amigos traziam.

                A única que era igual para os quatro, era de que o garoto era algum tipo de lutador, que impedira um assalto algumas semanas antes. E que se achava algum tipo de herói agora. Porém, nenhum deles sabia como, ou porque, ele estava com uma bomba naquele dia.

                Ele não se importava, o sabor doce das mentes à sua volta era melhor do que qualquer novidade sobre seu agressor. Uma sensação como a de entrar em uma banheira de água quente, ao mesmo tempo que era sobrecarregado com novas memórias. Um prazer íntimo em tirar a privacidade dos garotos. Como ele fizera com os vizinhos enquanto os garotos estavam fora.

                — Nós vamos para a rua. — Disse ele. Ele queria mais, precisava testar seus limites. Então pegando sua jaqueta, se levantou e saiu. Com os outros quatro o seguindo.

                Caos nem mesmo precisava ver as pessoas. Ele sentia suas mentes à distância, e sem esforço lia seus pensamentos. Não havia sensação melhor, ele pensou. Mais do que apenas pensamentos. Ele conseguia revirar suas memórias. Via nomes de ex-namorados e namoradas; via matérias aprendidas nas escolas e nunca mais usadas, e agora esquecidas; via endereços; via senhas...

                Tão vendo aquele tio ali? — Disse ele apontando para um senhor bem vestido que passava pela rua. — Eu quero a carteira dele.

                Então, novamente como se tivesse controle sobre os garotos, os quatro avançaram sobre o senhor, abordando-o.

                Ele observou enquanto dois dos garotos cercavam o homem, ameaçando-o com facas, enquanto o magricela, Rafa, enfiava as mãos nos bolsos dele, pegando tudo que achasse que Carlos poderia querer.

                — Por que você não foi com eles? — Perguntou Caos a Bomba, que ficara do seu lado.

                — É sempre bom ter um reforço à distância, se acontecer alguma coisa. Você que ensinou isso para a gente. — Disse segurando um volume na cintura.

                Os três garotos voltaram trazendo consigo o celular, a carteira e as chaves do homem. Carlos pegou a carteira, abriu-a e tirou o cartão.

— Dividam o resto. — Disse ele entregando a carteira ainda com dinheiro para os garotos. “Ótimo, tem uma agência perto daqui”. Pensou ele olhando para o cartão.

Era muito fácil. A conta bancária do homem estava abarrotada de dinheiro. E o cartão e a senha que ele leu do homem funcionaram. Ele pegou o máximo que conseguiu sacar.

                O dinheiro que ele pegara rendera por algumas semanas. A casa estava inundada de embalagens de pizzas e sanduíches, garrafas de bebida e vestígios de drogas. Mas apesar de ter pago por tudo lá, ele não os consumira. Suas últimas semanas foram preenchidas com pesquisas na internet e “passeios”. Seu dom estava tão desenvolvido que ele conseguia ouvir todos os quatro amigos ao mesmo tempo, e ele ouvia todos os detalhes.

                Uma dúvida surgiu em um dos irmãos.  “E o cara da bomba” Perguntou em voz alta. Os outros se olharam e depois, juntos, olharam para ele.

Ele ponderou por um tempo, então decidiu. Agora ele tinha as ferramentas para descobrir quem era a pessoa que os atacara com uma bomba. E mesmo se este tivesse outra, agora ele saberia. Então ele chamou os garotos para que saíssem mais uma vez em busca de informações dele. Seus comandos estavam muito mais limpos, diretos e específicos. Não eram mais reações do seu instinto, como antes. Agora ele sentia claramente as linhas partindo de sua mente e se ligando nas dos outros. Como um controlador de marionetes, os garotos eram seus por completo.

A ordem agora era que se espalhassem para melhorar a busca, prestando atenção a qualquer coisa que pudesse remeter ao rapaz.

Caos podia manter a mente de seus comparsas ligadas à sua até uma distância máxima, então fez com que eles se espalhassem formando um círculo ao seu redor, cada um a várias quadras de distância. Então, mais um comando e todos começaram a andar, todos para o mesmo sentido e ao mesmo tempo e cadência. “Perfeito” pensou Caos.

A marcha espaçada se prolongou por aproximadamente uns trinta minutos. Eles haviam andado quase o bairro inteiro, observando e escutando, os garotos escutavam com seus ouvidos, mas Diego escutava muito além. Ele sabia tudo o que as pessoas estavam pensando.

Então, um alerta. O garoto Rafa ouvira algo de interessante. Automaticamente Caos fizera algo que estava tentando havia algumas semanas. Ele se recostou em um banco da praça em que se encontrava, então sua visão se tornou a do amigo, seu corpo agora comprido e magrelo balançou com os novos pensamentos agora ocupando seu cérebro. A vertigem da “viagem”, como ele gostava de chamar, ainda o afetava, mas ele conseguiu distinguir os dois adolescentes conversando em uma padaria.

Era um rapaz e uma moça. “Não têm nem 18” pensou Rafa que agora era Caos.

— E você nunca mais o viu desde então? — Perguntou o rapaz à moça.

— Nem vi e nem conversei com ele. Ele não me responde nem por mensagem. —Respondeu ela.

— Eu ainda não acredito que o Benja atacou aqueles caras com uma granada. Aonde foi que ele arranjou uma maldita granada!?

— Eu não sei. Mas eu ouvi dizer que um deles se machucou sério. — Disse a moça.

— Ele tem é sorte que nenhum daqueles marginais morreu. Senão ele estaria lascado. Ele podia ir preso por isso.

— Você acha que é por isso que ele está sumido? — Perguntou ela.

Caos parou de prestar atenção na conversa dos dois. As informações realmente interessantes não estavam sendo ditas em voz alta. O garoto era amigo de infância do tal do Benjamin, o cara da granada. Caos não queria confrontá-lo diretamente. Não, ele tinha que atraí-lo para um lugar no qual ele tivesse vantagem. Mas como?

A conversa dos dois adolescentes logo terminou e os dois pagaram suas contas e saíram para lados diferentes. “E o dia só melhora” pensou Caos, sorrindo ainda no rosto de Rafa. Um novo comando agitara as linhas que o ligavam a seus companheiros. Então a viagem de volta foi feita e Carlos despertou no banco da praça onde se recostara. Ele checou e todos seus amigos, incluindo Rafa, que provavelmente ainda estava atônito por ter perdido controle do corpo, seguiam o rapaz Fabrício Vela.

Carlos se levantou, vigiando enquanto seus comparsas fechavam o cerco no rapaz enquanto este entrava em uma estação de metrô. Caos havia desenvolvido um novo gosto por sentimentos humanos. Então quando o caminho do rapaz Fabrício foi bloqueado por dois garotos idênticos, e às suas costas um brutamontes fechava o acesso para a rua, ele se deliciou com o medo que inundara o corpo do rapaz. A adrenalina que foi acumulada, para que o corpo se preparasse para uma tentativa de fuga. E o pavor quando as mãos gordas de um de seus companheiros apertaram os ombros do garoto, o segurando no chão. Então John ou Jeff deu um soco no Fabrício e este foi nocauteado.

Então Caos, com um comando final, fez com que levassem o garoto para beco afastado.

Seu plano estava indo exatamente como queria. Agora só faltava uma coisa, ele só havia feito isso com sua vizinha enjoada: Caos segurou as mãos encostadas nas laterais da cabeça de Fabrício se concentrou e absorveu a mente do outro garoto. Ele agora era Carlos, Marize e Fabrício. E o Fabrício Vela caiu catatônico no chão.

— Eu sei onde ele mora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                Benjamin mal saíra de casa durantes as últimas semanas. O incidente do viaduto o perturbara. Ele quase matara o garoto de preto. Nem Samantha ele respondia. Ela tinha, novamente, filmado um de seus atos “heroicos”. Mas dessa vez, a explosão tinha estragado seu celular, então o vídeo dele quase explodindo uma pessoa com as mãos não existia. Um ponto positivo em tudo isso, pensava ele.

                Aquele dia o ensinou várias coisas. E consigo, trouxera incontáveis perguntas que agora rondavam sua mente. Sendo a mais frequente delas: “Será que eu consigo me carregar com eletricidade? ”. Todos os dias ele ficava em casa, pensando e criando coragem de se eletrocutar.

                “E se não der certo, eu me machucar? ”, “E se der certo, e eu machucar alguém gravemente? ” Se perguntava ele. “Será que eu consigo controlar a quantidade que eu libero de energia? ”, “Eu só não explodi aqueles caras para valer porque tinha pouca energia. E se eu tivesse mais? ”.

                Ele mal lembrava do incidente do viaduto. A explosão tinha causado danos ao seu corpo, apesar de que bem menos do que o normal. Por sorte, seu corpo havia se tornado bem mais resistente sem que ele percebesse. A volta para casa era um grande borrão preto em sua memória. O que ele lembrara era a exaustão e a dor no corpo, agora não tão estranhas quanto da primeira vez, só que muito mais intensa. Ele chegou à conclusão de que quanto mais energia tinha dentro do corpo, mais forte ele ficava, porém, quanto mais ele usava, mais seu corpo sofria.

                Um dia, assistindo filmes de super-heróis, era de onde ele tirava suas teorias, ele decidiu que tentaria se carregar novamente. Então, como fez quando era criança e sozinho em casa, ele pegou um garfo da cozinha e se sentou de frente para uma tomada.

                A tarde passou calma enquanto Benjamin suava observando a parede com o garfo em mãos, e conversava e teorizava sozinho. Ele decidira que ia colocar o garfo e puxar de volta, para o caso de seu corpo não absorver a energia.

                Então ele respirou fundo, segurou o garfo com as duas mãos, e o empurrou para dentro da tomada. Um estralo soou alto dentro do apartamento. Ele ia puxar o garfo quando sentiu a energia dentro de si. E foi como da última vez, seu corpo se encheu e o tempo desacelerou, ele não largou o garfo. Tudo que estava ao seu redor mudava, as cores, as ondas de energia, os barulhos da rua. Tudo se tornava claro, óbvio. Até as rachaduras nas paredes, mesmo aquelas que ainda estavam por debaixo da pintura, ele enxergava tudo.

Ele só voltou a si quando a iluminação do apartamento começou a piscar. Então ele puxou as mãos, o garfo e a tomada estavam pretos com a sobrecarga de energia, mas mais uma vez, suas mãos estavam intactas.

                Ele havia absorvido mais energia do que da última vez. A sobrecarga de energia o elevara a um nível diferente. Ele estava invencível novamente. Mas desta vez tinha consciência dos seus limites, tanto os físicos quantos os que ele impusera a si mesmo.

                Benjamin sentia que aquele poder agora era seu. E usando seu raciocínio, agora muito mais rápido, ele fazia notas mentais: “meus poderes vem de fontes elétricas, então. Mas e o primeiro episódio? Eu não entrei em contato com nenhuma fonte de eletricidade naquele dia. Já sei, o corpo humano gera eletricidade por conta própria, é uma baixa quantidade, por isso eu não fiquei tão forte, e meu surto de poder durou tão pouco. ”

                Havia algo que ele ansiava desde o último episódio. Ele se questionava diariamente sobre o que conseguiria fazer. Então, com extrema cautela, para não explodir nada que tocasse, ele calçou tênis de caminhada e saiu de seu apartamento cuidadosamente, provavelmente mudando sua vida para sempre.

               

               

               

                A noite se aproximava, fazendo com que o céu tomasse um tom de sangue — uma das visões mais bonitas desse mundo, se me perguntarem — e Benjamin caminhava a um passo apressado, quase uma corrida. Ele havia pegado três trens, se afastando do grande centro urbano cada vez mais. Então finalmente na última parada, ele desceu do trem e continuou seu caminho sozinho. Agora, ele se encontrava longe da maior parte da população, próximo a uma represa, em um conjunto de pequenas propriedades de terra.

                Em uma das árvores ao seu redor ele instalou sua câmera e então se afastou para que o vídeo o enquadrasse. No caminho para lá ele havia preparado uma lista com uma bateria de testes para realizar. A lista dizia:

                #1 Velocidade: Correr entre as árvores;

                #2 Força: Carregar e atirar pedras e troncos grandes;

                #3 Destreza: Escalar as árvores;

                #4 Resistência: Acertar ou arremessar objetos contra mim.

                #5 Energia??

 

                Então seus testes começaram. E mesmo sem ver os vídeos, Benjamin pode perceber o quão superior realmente estava. Ele corria muito mais rápido do que jamais correra, o tempo desacelerado tornava fácil desviar das árvores, nada o pegaria naquela velocidade. Ele passava por entre os galhos como um raio, saltando sobre pedras e liberando seu potencial completo. Aquele teste o satisfizera tanto que ele quase não quis passar para o próximo. Apenas o fizera para saber quão forte ele realmente era.

                Em sua corrida ele avistara um tronco maior e mais grosso que ele pelo menos duas vezes. Ele correu de volta para o tronco, sentindo o corpo leve como uma brisa passando pela mata. Benjamin segurou o tronco pelos lados, enterrando as mãos na madeira, e com muito controle, ergueu o troco do chão. Este deveria pesar pelo menos uns 200 quilos, e mesmo assim, Benjamin o erguera sem nem mesmo se esforçar. Como o antigo Benjamin ergueria um engradado de refrigerantes. Ele vasculhou a região, e não encontrara nada nem ninguém que pudesse ser destruído por um tronco voador. Então plantou os pés no chão, girou e arremessou o tronco para o alto. Uma pessoa normal não teria visto, mas ele não era mais normal, então o tronco voando na noite era perfeitamente visível.

Como um teste surpresa, ele correu na direção que o tronco ia. Ele era muito mais rápido que a força que puxava o pedaço de madeira. Quando ele se postou onde o tronco cairia, olhando novamente para cima o avistou vindo em sua direção. Benjamin reuniu a coragem que adquiriu com os últimos dois testes e saltou de encontro ao objeto. Ele acertou o tronco em cheio com um soco, não o tipo de soco que causaria uma explosão, mas ainda assim um soco humanamente impossível, e o tronco se partiu em um milhão de pequenos cacos de madeira que caíram por toda área, observou Benjamin a mais de 20 metros de altura do chão. Logo em seguida ela caiu levemente de pé, cercado por destroços do tronco.

Algumas coisas ficam marcadas em sua mente, o pôr do sol, um primeiro beijo, o primeiro vislumbre de um ser superior a todos os outros, um que provavelmente era a ilustração mais próxima que já houvera de um deus. Não era só sua expressão de certeza que poderia fazer muito mais, nem mesmo o fato de eu ter presenciado seus feitos em primeira mão. Benjamin emitia uma aura dourada por todo o seu corpo, ele estava iluminando a floresta ao seu redor, ela era ao mesmo tempo amedrontadora e acalentadora. Você sabia apenas de olhar que aquela aura poderia te matar, mas também, que aquela mesma aura te protegeria contra qualquer mal.

Seu nível de energia estava visivelmente mais baixo agora depois dos testes, a aura não era mais visível. E Benjamin usou o que restava para correr até sua casa, mesmo com pouca energia restando, ele ainda era mais rápido que os carros e ónibus.

Seu bairro inteiro estava escuro, um blecaute ocorrera. Um pensamento alto o ocorreu na mesma hora: —Eu causei isso? Não, não é possível.

Sua memória tinha ficado bagunçada pela quantidade de energia, mas agora começava a voltar. Quando com o garfo na tomada e as luzes piscaram, não eram as do seu apartamento, ele estava “puxando” toda a energia do bairro, queimando os transformadores nos postes. E agora as quadras estava na escuridão total.

Ele ainda tinha energia suficiente para não sentir a fome extrema, mas já temia o momento em que ela chegasse. Subindo as escadas do prédio ele chegou até seu andar na esperança de encontrar algo na geladeira para comer.

O que ele achou não foi nem um pouco bom. A porta de seu apartamento estava aberta, arrombada, e a sala estava um verdadeiro caos. Seu primeiro pensamento foi sua mãe, e Benjamin correu até o quarto dela. Porém, apenas mais bagunça. “Onde ela está?! ” Correndo até seu quarto encontrou a já esperada bagunça, mas algo além. Na sua cama se sentava um rapaz com rosto magro e confiante, ele não usava nada além de roupas pretas.

— VOCÊ! — Bradaram os dois ao mesmo tempo.

 

 

 

 

Caos não queria dar chances para Benjamin, ele o atacou com sua mente na mesma hora, surpreso por não ter sentido a aproximação do outro.

O garoto cerrou os punhos e caiu de joelhos quando o domínio de Caos o atingiu, mas logo levantou o rosto e o encarou, exalando uma leve aura dourada.

— Quê?! Você não deveria conseguir se mexer. — Se exaltou Carlos.

— Onde está minha mãe?! — Indagou o outro enquanto se levantava.

— Eu a levei, e você nunca mais vai ver a velha.

Benjamin avançou e desferiu um golpe contra Carlos. Dessa vez não explodiu, mas o golpe parecia ter rachado seu crânio, o arremessando contra a cama.

“Eu aparei o golpe dele com minha mente, e mesmo assim meu corpo quase foi destruído. Quem é esse cara? ” Pensou Carlos.

— Eu vou te bater até você me contar então. Você mexeu com o cara errado.

Outro avanço, dessa vez Caos atravessou a parede do prédio, caindo livremente. Sua concentração foi convertida totalmente para não se esborrachar no chão. E alguns metros antes disso acontecer, ele parou no ar, se erguendo com seu poder mental.

“Ele está vindo novamente. ” Agora seu radar captava o garoto dourado. Então olhando para cima ele se espantou enquanto o garoto se lançava da janela e caia em sua direção, pronto para dar outro golpe.

Usando todo seu poder Caos conseguiu sair da direção da queda do garoto, que não parecia controlar onde cairia. Este atingiu o chão com tamanha força que os prédios ao redor vibraram.

“FOME! ” Ele escutou alguém pensando. “Quem pensa em comida em uma hora dessas? ” Então ele viu o garoto sair do buraco recém-criado no chão. Ele estava visivelmente mais fraco, mais magro até.

— Nós ainda vamos nos encontrar! — Garantiu Carlos, sentindo que seu poder estava no limite e percebendo que seu adversário não o acompanharia naquele estado. Ele se virou e, agora andando, recuou enquanto Benjamin gritava atrás dele, mas se conseguir persegui-lo.

 

 

 

 

 

 

 

Benjamin acordou pulando da cama, como se estivesse em um pesadelo terrível. A parede e cama do quarto estavam intactas, mas ele não reparou. Correu para a sala, buscando pela mãe, e para sua surpresa, essa se encontrava deitada no sofá cochilando ao som de alguma série de TV.

— Mãe! A senhora voltou! A senhora está bem? — Gritou Benjamin correndo até a mãe.

— Ah! — Ela acordou gritando. — Não me assuste assim menino, eu estava assistindo TV – porque ela sempre fazia isso eu nunca vou entender, todos a viram dormindo –.

— Mãe, que bom que a senhora está bem! — Repetiu Benjamin quase chorando enquanto abraçava a mãe.

— Por que eu não estaria? Aconteceu alguma coisa?

— A senhora não se lembra? O que ele fez com você? — Perguntou ele nervoso.

— Quem fez o que comigo, menino? Não assuste sua mãe assim... Benjamin, você não está usando drogas, está? — Ralhou ela com uma preocupação disfarçada na voz brava.

— O que? Claro que não, mãe. É só que... — Ele olhou de canto de olho para dentro do quarto e viu a parede e a cama intactas. — Foi um sonho ruim, só isso.

Mas ele sabia que não era apenas um sonho, seu corpo tremia por completo da falta de energia, suas mãos estavam machucadas de acertar o que quer que o rapaz de preto tivesse em sua frente. “Uma parede invisível” pensara Benjamin. Mas nenhuma parede era tão resistente.

— Eu estou bem agora, desculpe. Nós temos algo para comer?

Enquanto Benjamin comia tudo que podia encontrar na cozinha, sua mãe se aproximou com o rosto corado, só agora ele via que ela estivera chorando.

— Mãe, eu estou bem agora, a senhora não pre.... — Ela o interrompeu com um abraço e destampou a chorar.

Só alguns bons minutos depois que ela o largou e olhando para ele disse: — Encontraram o Fabrício em um beco ontem de noite, ele foi atacado por alguém ou alguma coisa. Ele está internado em estado crítico. Os médicos disseram que está em um estado de choque, que o cérebro não está respondendo a nenhum comando.

Ele não sabia o que pensar, Fabrício era seu melhor e mais antigo amigo.

— E ele não é o único. Acharam algumas outras pessoas no mesmo estado dele pela cidade hoje cedo. Estão dizendo que é um serial killer.

Benjamin não sabia como, mas ele tinha certeza de quem era esse serial killer, o rapaz de Preto que estivera em sua casa.

Um super-vilão digno de um super-herói, pensou ele. “Eu vou acabar com ele. Eu preciso de mais energia. ” E ele partiu, percebendo que só energia pura recuperaria sua força e o elevaria ao ponto “Ideal” novamente.

Muitas pessoas o pararam na rua, ele destruiu suas mentes, assim como fizera com aquela vizinha insuportável, e com o garoto Fabrício. Mas agora em seu apartamento, as vozes de todos eles ecoavam em sua mente, uma cacofonia de choro e lamúrias. Ele não suportaria por muito tempo. Forçando-os para o âmago de sua mente os gritos cessaram.

“Aquele Benjamin não é normal. Ele é muito forte, e pulou do prédio sem medo. Eu preciso acabar com ele o quanto antes. ” Pensou ele enquanto se alimentava da dor e medo de Bomba. Ele forçara os gêmeos a amarrá-lo, e agora eles o torturavam lentamente com pequenas facas. O garoto redondo havia demonstrado medo várias vezes, e até resistira a comandos simples de Caos antes, causando sua fúria.

— Agora nos peitos — disse ele displicente enquanto vendo os irmãos rasgarem as vestes de Bomba, revelando seus grandes e peludos mamilos. O garoto chorava silenciosamente por trás de sua mordaça.

A tortura durou até o garoto gordo sucumbir e desmaiar. Caos não tinha mais interesse nele mesmo assim, então ele se tornou outra vítima. Os irmãos, que estavam sob domínio completo de Caos, apenas concordaram quando este mandou que atirasse o corpo de Bomba na lixeira da rua atrás do prédio.

Quando voltaram ao apartamento Caos havia saído, os irmãos ficaram na mesma posição a próxima ordem.

Carlos andava pela rua, agora recuperado do combate contra Benjamin, e a noite fria e chuvosa o guiava. Mais histórias e segredos, tudo era interessante para ele, e sem perceber, ele caminhou por horas até chegar a uma usina elétrica que parecia estar vazia. Algo o guiava até lá. Então se aproximando ele entendeu o que era. A única mente que ele conhecia que repelia a sua, seu antagonista, Benjamin.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Benjamin, em sua sede de poder, cortou a grade de proteção da usina e entrou na propriedade. Ele sentia o “cheiro” da eletricidade dali. Era tão poderosa que carregava o ar ao redor da usina. Tanto que mesmo sem encostar em nada, Benjamin já se sentia mais forte.

Seus sentidos aguçados captaram uma presença em seu “radar”, ele estranhou, pois pensou que a usina estivesse vazia, então procurando, encontrou um rapaz vestido de preto que o encarava a distância. Benjamin se apressou agarrando um dos postes da usina e se concentrando começou a drenar toda a energia que vinha dali.

Quando terminou Benjamin brilhava tão intensamente que iluminava a usina agora escura como o céu sem lua. E como se para comprovar mais ainda como eram diferentes, o rapaz de preto liberou seu imenso poder psíquico, manifestado como uma nuvem negra que o cercava.

— Você está diante do ser humano Ideal, deveria se curvar.

— Não, o Caos não se curva a nenhum outro. Ele faz tudo ao seu jeito.

Ideal correu tão rápido que parecia ter se teletransportado e desferiu um golpe contra Caos. Este, porém, estava mais forte agora e aparou o golpe do outro. Uma luta sangrenta se seguiu. Caos tão habilidoso que conseguia criar cópias de si instantâneas, e Ideal tão poderoso que queimava tudo que se aproximava demais.

Eu não saberia dizer quanto tempo passou, mas a quantidade de poder que os dois liberavam teria sido suficiente para destruir um país inteiro, caso não estivessem focando em contra si mesmos.

Os dois eram duas partes de um todo, seus poderes, apesar de muito diferentes, eram equivalentes, e um não conseguiria derrotar o outro.

Até que, com seu último esforço, Caos usou suas forças para se liberar de seu corpo físico – e arrisco dizer, voltando para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A cidade amanheceu no escuro e logo a notícia se espalhou, um atentado à usina elétrica na noite anterior a destruíra. Todos seguiam suas vidas conforme deveriam, apesar da falta de energia.

Durante o dia a usina se reestabeleceu, e um corpo foi encontrado na propriedade. Um jovem de aproximadamente 18 anos de idade, porém as autoridades não conseguiram identificá-lo.

No outro dia, imagens do sistema de segurança da usina mostraram o que havia ocorrido. Bom, dependendo de uma boa porção de interpretação. Um garoto entrou nas propriedades da usina, e de alguma forma, a energia lá correu para dentro de seu corpo. E, agora, a parte que gerava mais especulações, ele se debatia contra o chão, correndo de um lado para o outro com uma velocidade inacreditável. Em meio a explosões de dourado e preto.

O vídeo tinha uma hora de duração. Uma hora de Benjamin enfrentando seu pior inimigo, o único inimigo que ele não conseguiria vencer: ele mesmo. No momento que que ele atacou a gangue, causando a explosão, sua mente se separou, parte ficou com seu corpo, e parte assumiu o corpo do garoto que acabara de morrer então.

Carlos Inácio morreu naquele dia, e Caos nasceu no lugar. Benjamin percebera isso no momento em que o corpo que Carlos ficou inerte na usina e suas mentes tornaram a se fundir.

Não perceber isso antes quase custou sua vida. O homem que hoje é o símbolo de bondade e justiça para o mundo inteiro quase perdeu para o inimigo que todos temos, nós mesmos. Então se até ele, que viaja até o sol por passeio e volta em poucos minutos, correu esse risco, isso deveria servir para que eu e você, e todos nós, olhássemos melhor para nossos hábitos e cortássemos aqueles que nos transformam em nossos piores inimigo, não?

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