Homem-alienígena
Os Smiths tinham uma rotina silenciosa, e não combinada. Toda manhã de domingo, se levantavam bem cedo, todos prontos para ajudarem no café em família, cada qual em um posto.
Smith
Pai preparava o bacon e as salsichas; Smith Mãe, temperava e mexia os ovos; e,
Smith Júnior, punha a mesa, pratos, talheres, copos e uma jarra de suco de
laranja.
Neste
domingo, porém, faria diferente, pensou Smith Júnior. “Vou usar o pano de mesa
para ocasiões festivas”. Ele queria celebrar sua formatura no Ensino
Fundamental. Então subiu ao sótão, e procurava pela toalha azul com gaivotas,
que sua mãe guardava com cuidado.
Do
fundo do sótão abarrotado de quinquilharias e tranqueiras, raios de sol sem
graça iluminavam o ambiente, entrando por uma empoeirada janela redonda, pela
qual Smith Júnior gostava de admirar o grande quintal, dividido entre as casas
vizinhas.
Um
leve estrondo, seguido por um clarão, alertou Smith Júnior, que estava
novamente distraído olhando pela janela segurando a toalha azul de mesa. Seus
pais já o esperavam para o café. E, quando ia se virando, um objeto metálico e
redondo cruzou o céu e caiu no quintal.
Sem
se perguntar o que era, mas na certeza de que saberia a resposta à pergunta se
a fizessem, ele correu pelas escadas, quase tropeçando nas barras da calça de
moletom, enquanto alertava os pais – que, como imaginara, o aguardavam com
olhares pacientes, ovos e bacon prontos no fogão.
Os
três seguiram para o quintal, surpresos pela esfera metálica que brilhava de
calor. Do tamanho de uma máquina de lavar roupas. Mas, o que mais surpreendeu
os Smiths, era a criatura que se esticava para fora dela.
Membros
finos e compridos como galhos secos, espicharam de dentro dela e agarraram a
terra com mãos delicadas e bifurcadas. “Um, dois... três... quatro! ” Contou
Smith Júnior conforme os membros se desenrolavam de dentro da esfera.
Com a
leveza de um bailarino, um corpo esquelético se desdobrou de dentro da esfera,
puxado pelos quatro braços, e se levantou. Era cinzento e magro demais, mas
parecia bem, quaisquer que fossem os padrões daquilo.
A
cabeça era pequena, com olhos esbugalhados e um apêndice que pendurava da nuca.
Um rasgo fino e horizontal se abriu abaixo dos olhos, cortando o rosto de um
lado ao outro, revelando uma boca cheia de dentes.
Não
chegava à altura de Smith Júnior, que era baixo para um garoto de 14 anos.
Os
Smiths não se intimidaram. A criatura não parecia oferecer perigo, apesar da
pitoresca aparência alienígena. Enquanto observavam com curiosidade, perceberam
que a criatura sorria para eles.
Então,
em um ato de bravura – que a Smith Mãe jurou nunca ter visto igual no marido –
Smith Pai se adiantou e disse: “Olá, eu sou Smith Pai. E você? ”
O alienígena
se dobrou, dando a impressão que se quebraria ao fazê-lo, mas logo retomou sua
postura formal. “Foi uma saudação! ” Disse Smith Mãe.
— Nós
deveríamos convidá-lo para o café, então. — Concluiu Júnior, todos concordaram.
Já
dentro da casa, o visitante se demorava em cada pequeno objeto por que passava.
A maçaneta da porta parecia para ele tão mágica quanto o jornal matutino que
era transmitido na TV.
Smith
Júnior reparou que, quando se sentaram, indicando-o onde se sentar, ele levou
poucos segundos para repetir o que a família fez, tão logo estava com os
talheres em mãos (ou metade delas) e aguardando servirem seus ovos com bacon e
salsicha.
—
Vocês acham que ele vai gostar disso? — Perguntou Smith Pai, que teve sua
resposta antes do tempo, com o visitante devorando o prato com uma ferocidade
viking.
Ele
observava atentamente cada gesto que a família fazia, por vezes, até imitava
alguns. E, quando Smith Pai se sentou ao sofá, o visitante o acompanhou,
parecendo muito interessado na reportagem sobre o presidente, Sr. Presidente,
que passava na TV.
Como
tudo parecia muito interessante para ele, Smith Júnior o arrastou pela casa
durante o restante da manhã mostrando cada cômodo, tentando puxá-lo toda vez
que o visitante parava para admirar um papel de doce no chão, ou um
porta-retratos de família.
Aquele
era o melhor dia de sua vida. Tinha ganhado o melhor amigo para curtir as
férias junto.
No
almoço, os três foram pegos de surpresa quando o visitante se levantou e
começou a ajudar Smith Mãe com o almoço. Ninguém havia ensinado o que fazer,
mas ele parecia abrir sempre as gavetas certas, e pegar a faca ou vasilha
necessária para o preparo da comida.
Sempre
que ele alcançava algo com uma de suas mãos, seu par do lado oposto parecia
imitar o movimento, como se as duas precisassem mover em conjunto.
“Quatro
mãos trabalham mesmo melhor que duas. ” Pensou ela, admirando o visitante
cortar pequenos cubos de carne com duas mãos, enquanto cuidava do arroz ao fogo
com outras duas, curiosamente, trabalhando em pares direitos, e pares
esquerdos, um lado espelhando o outro perfeitamente. Com movimentos precisos e
silenciosos, ele não só ajudou na preparação, mas tomou conta da metade em
diante, acertando o ponto de todos os ingredientes. E a família de quatro comeu
feliz uma refeição perfeita.
Na
TV, nenhum dos noticiários parecia saber da existência de ET, o novo membro da
família Smith. Só o que pareciam cobrir, era a tensão entre países emergentes,
e as declarações polêmicas do Sr. Presidente.
Smith
Júnior bolou, com ajuda dos pais e de ET – que agia em conjunto, como se
entendendo o que estavam fazendo – um plano perfeito para a introdução do
“primo intercambista” na sociedade.
Arranjaram
bonés que camuflavam o apêndice na nuca, óculos que escondiam os olhos sem
pupila, um casaco grande que disfarçava o par extra de braços. Não era o melhor
disfarce do mundo. Mas, as pessoas perderam o interesse umas nas outras,
explicou Júnior para ET. Então, deveria funcionar para andar na rua.
Com
as férias, Smith Júnior passaria seus dias com ET, ensinando e mostrando o que
podia do mundo. Empolgado com a possibilidade de ter um amigo extraterrestre.
E, Smiths Pai e Mãe aceitaram de bom grado o novo “bichinho de estimação” que
apareceu em seu quintal. Não viam risco nenhum no hábil ajudante de cozinheiro.
Ou no “primo intercambista” que removia a sujeira do telhado com destreza.
E
nada parecia abalá-los. Nem quando ET, após presenciar uma bronca que Smith Pai
deu em Smith Júnior, o repreendeu usando as mesmas palavras e tom de voz do
Pai. O extraterrestre demonstrava um nível de inteligência que superava o da
família somado. Aprendia tarefas vendo uma única vez. Em dias já conseguia
falar, se vestia e arrumava a casa sozinho. Era imparável, e formidável.
Certo
dia, Smith Júnior enrolava em seu quarto, ignorando o pedido da Mãe para que
fosse ao mercado, então ouviu ela dizer: “Obrigado, meu bem” vindo do andar de
baixo. Curioso, desceu, se deparando com Smith ET, de pele rosada, olhos e
cabelos castanhos, entregando algumas sacolas à Mãe.
Um
par de mãos se escondia no casaco, mas, o outro continuava a espelhar os
movimentos de um lado para o outro. Fora este detalhe, aquele era um jovem
adolescente comum. Talvez um pouco magro demais. Com olhos afastados, e sorriso
largo. Mas, para todos os efeitos, um jovem adolescente.
Smith
ET olhou para o irmão, como que esperando aprovação, mas, este apenas subiu de
volta para seu quarto. Não queria ter que lidar com um irmão perfeito.
Mais
tarde, uma batida discreta na porta deu entrada à ET, que se sentou ao pé da
cama de Júnior.
—
Eu... não... fiz por mal. — Disse ele, cada palavra estudada antes de ser
pronunciada.
—
Não. Tenho certeza que não. Você faz tudo por bem. — Alfinetou Júnior.
— Por
que bravo comigo? — Perguntou ele.
— Não
se faz de bobo, ET. Eu sou seu melhor amigo.
—
Tudo bem. Só não quis ofendê-lo.
—
Você não sabe o que é ofensa para um humano. — Júnior sabia que tinha sido
injusto com ET, mas precisava dizer aquilo.
— Não
se sinta mal. Sei que não pertenço aqui. — Disse ele se levantando e parando na
porta. — Sua mãe está chamando para o jantar. — E saiu sem fazer barulho.
Naquele
jantar, Júnior fez de tudo para começar o assunto sobre o planeta-natal de ET,
que sempre desviava dele com esperteza, sem chamar atenção do Pai e da Mãe.
— Por
que você evitou o assunto do seu planeta-natal? Eu sei que você me ouviu. —
Questionou Júnior encontrando o irmão no telhado após o jantar.
— Me
desculpe, Júnior. — Começou ele emocionado, seu rosto até assumindo um tom
ruborizado. — Eu não consigo contar sobre o meu planeta, porque não me lembro
dele. — ET terminou a frase com um suspiro de partir o coração.
—
Desculpa, ET. Eu não sabia que doía tanto assim. — Disse Júnior se
solidarizando.
— Só
quando eu penso nele. — Explicou ele. — Vocês aqui são o único planeta que
conheci. Ou, pelo menos, que me lembro. Então, não sinto como se tivesse
perdido algo.
— E
você não tem curiosidade?
—
Não. — Disse ele encerrando o assunto.
Agora,
não havia mais o risco de ET ser estranhado confundido por um ET. A pele era
macia; os dentes, retos e até as mãos – as que ficavam à mostra – tinham cinco
dedos cada uma. Então, quando o retorno às aulas chegou, a família se sentiu
segura em matricular o novo filho na escola.
Apesar
do tamanho, agora da altura de Júnior, seu raciocínio superava o de qualquer
criança. Por isso, ET foi matriculado no último ano do ensino médio.
—
Olá. Meu nome é Ethan, mas podem me chamar de ET. — Dizia ele, sempre que
alguém se aproximava. Júnior já havia levado ET em situações sociais antes, mas
estar na escola era completamente diferente. Eram muitas informações ao mesmo
tempo, e ET tinha a necessidade de aprender tudo que via.
Ao
final da primeira semana, Smith ET já citava poetas que nenhum dos três
conhecia em casa. Os modelos de ciência para o ano inteiro já estavam prontos
no sótão. E ele havia se tornado um dos mais populares da escola. Além de um
gênio, ET se mostrou um excelente atleta.
Acertava
todas as cestas no basquete, não era derrubado por ninguém na luta, e era
sempre o mais rápido no atletismo. Júnior sabia que ele era habilidoso, mas
vê-lo se mostrar livremente daquela forma o deixava irritado.
Quando
as primeiras chegaram, Júnior tinha esperança de que ET se cansasse da escola e
desistisse, mas os testes apenas intensificaram o sentimento de superioridade
que o sabichão sentia.
Era
tarde da noite, e Smith Júnior não aguentava mais de inveja do irmão. Precisava
falar com ele. Se aproximando da porta do sótão, porém, ouviu uma voz estranha
no quarto do irmão. Ele se esgueirou até a entrada, pronto para surpreender ET
e quem for que estivesse com ele.
De
início, Júnior acreditou que seria uma garota, mas, ouvindo bem, a voz tinha um
tom grave e autoritário que não lhe era estranho. Quem poderia ser? A
curiosidade falou mais alto, e Júnior empurrou a porta de uma vez.
Uma
figura se jogou para trás de projetos de ciência, se escondendo, enquanto
Júnior procurava pelo irmão. O garoto se viu sozinho no quarto, ou, pelo menos
ele acreditou que fosse isso, até que ET o cutucou por trás.
— O
que está fazendo no meu quarto? — Perguntou ele disfarçando a surpresa.
— Eu
ouvi vozes.
—
Sim, eu estava conversando no telefone. — Mentiu ET.
— Eu
vi uma pessoa de cabelos brancos. Vi aqui na minha frente. — Contou Júnior.
—
Não, não viu. — Retrucou Ethan. — Eu estava sozinho, e gostaria de voltar a
ficar, se puder me dar licença.
—
Você não pode me expulsar. Sou seu irmão mais velho. — Teimou Júnior.
— É
mesmo? — Perguntou Ethan com arrogância. — Sou maior, mais inteligente, mais
forte e mais responsável. As pessoas me respeitam pelo que faço, não pela ordem
de nascimento que supostamente compartilhamos. — Continuou ele. — Não é porque
você já estava aqui quando cheguei, que isso te dá mais importância. Eu tenho
séculos de experiência a mais que você. Vivi coisas que você nem poderia
imaginar, Júnior.
—
Então, quer dizer que você se lembra? — Perguntou Júnior surpreso. Ele tinha
pego o malandro na mentira. A pele de ET pulou rapidamente para o cinza
original, e depois retornando ao rosa que assumira na Terra. O choque em seu
rosto entregava que ele havia, pela primeira vez, cometido um deslize.
—
Júnior, eu tenho muito o que te contar. — Disse ele em um tom amigável. Pegando
nos ombros do irmão. — Histórias que fariam seus cabelos ficarem em pé. Mas,
agora é tarde da noite. Que tal assim: eu te conto tudo amanhã?
—
Você promete? — Pediu Júnior depois de um tempo, se entregando à curiosidade.
—
Sim. — Disse ET com um sorriso carinhoso. — Eu prometo. — Terminou, fazendo um
carinho com as duas mãos no rosto de Júnior, um hábito que havia conseguido
camuflar desde que entrara para a escola.
A
excitação de Smith Júnior era palpável. Ele iria ouvir histórias assombrosas
sobre o espaço, sobre planetas diferentes, quem sabe até sobre monstros
espaciais.
Então,
quando a manhã chegou, ele desceu às pressas, pronto para a conversa com o
irmão. Mas, o clima na cozinha tirou completamente seu bom-humor.
— O
que houve? — Perguntou ele para os pais em estado de choque.
— O
presidente, Sr. Presidente, acabou de declarar guerra contra os países
emergentes. — Disse Smith Pai apontando para a televisão ligada no noticiário
de urgência.
Nela,
uma comitiva de imprensa acompanhava o momento em que o Sr. Presidente acionava
um dispositivo de armas nucleares. Ele havia ordenado um ataque nuclear contra
cada um dos países de rebeldes. E, com o giro de uma chave na maleta, dava
início ao ataque.
Talvez
ninguém tivesse percebido, mas, Smith Júnior teve certeza de que viu a mão
esquerda do Sr. Presidente girar, com um movimento perfeitamente espelhado,
junto da mão direita que dera início ao ataque nuclear.
Cuidado com a pessoa que você convida para dentro de
sua casa, de sua vida. Não deixe que atitudes estranhas, e até perigosas passem
desapercebidas, só porque a pessoa fez alguma coisa boa em um ponto da vida.
Geralmente, as pessoas nos contam exatamente como elas são através de suas
atitudes. Basta acreditar no que a pessoas nos mostra.
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